Os três séculos passados entre a chegada dos bárbaros e a dos árabes à Península não deixaram documentos linguísticos. No entanto, é certo que o latim se transformava. Somente no século IX surge um romanço peculiar, do qual se teria constituído a língua portuguesa, em decorrência da separação do condado portucalense dos reinos de Leão e Castela.
É assim que, dos falares ibéricos ocidentais, sairá o galego-português -- cujos primeiros textos escritos aparecerão no século XIII - unidade linguística que conserva certa homogeneidade até início do século XIV.
Com a evolução dos dialectos românicos, definem-se três grupos linguísticos, no século XII: o galego-português, o catalão e o castelhano. Quando Portugal se separou da Galiza, falava-se galego-português em toda a região da Galiza e da jovem nação portuguesa. O português originou-se, assim, do galego-português medieval, que foi levado ao sul pela Reconquista.
No início do século XIII, surgem os primeiros textos redigidos em galego-português, empregado, em toda a Península Ibérica, como veículo das cantigas trovadorescas que ali floresceram e também em forma de prosa, em documentos. Com a independência de Portugal, factores políticos, económicos e sociais determinaram a quebra da relativa unidade linguística galego-portuguesa. Já separado do galego por uma fonteira política, o português, bastante diferenciado dos outros falares da região, seguiu o seu curso, tornando-se a língua de Portugal, cuja capital é Lisboa. É então que tem início a fase histórica do português, com a constituição da nova nacionalidade.
Na segunda metade do século XIII, Portugal firmou definitivamente o seu território, com a conquista do Algarve aos mouros. Por esta época, a língua portuguesa já apresentava uma língua literária, em face do catalão e do castelhano. Era a língua poética, segundo Mattoso Câmara, "um tanto convencional, cheia de galeguismos e mesmo provençalismos. Não representa fielmente a língua comum que realmente vigorava no território português. É a essa língua poética que cabe a denominação de galego-português." A prosa literária e a língua escrita corrente já foram mais tardias e tiveram de substituir o latim comumente usado nos textos escritos.
É na base da língua escrita que se costuma considerar, para o português, o período arcaico (até o século XV) e o período moderno. Dentro deste, os séculos XVI e XVII constituem o período clássico, os posteriores, o pós-clássico. E, como acrescenta Mattoso Câmara, "Mesmo, entretanto, do ponto de vista do português oral comum, ou língua nacional em sentido amplo, há diferenças gramaticais nítidas entre os séculos XVI e XVII, de um lado, e, de outro lado, os séculos subsequentes."
A história do léxico português - basicamente de origem latina - reflecte a história da língua portuguesa e os contactos dos seus falantes com as mais diversificadas realidades linguísticas, a partir do romanço lusitânico. Esse acervo apresenta um núcleo de base latina popular (resultante da assimilação e das transformações do latim pelas populações nativas ibéricas), complementado por contribuições pré-românicas e pós-românicas ( de substrato, em que a população conquistada absorve a língua dos dominadores; de superstrato, em que os dominadores adoptam a língua dos dominados; e de adstrato,em que as línguas coexistem, podendo haver até um bilinguismo). Além desse núcleo, é imensa a participação de empréstimos a outras línguas ( empréstimos culturais) e ao próprio latim (termos eruditos tomados ao latim clássico a partir do século XVI). Foram os termos populares que deram feição ao léxico português, quer na sua estrutura fonológica, quer na sua estrutura morfológica. Mesmo no caso de empréstimos de outras línguas, foi o padrão popular que determinou essas estruturas.
O vocabulário fundamental do português -- compreendendo nomes de parentesco, de animais, partes do corpo e verbos muito usuais - é formado sobretudo de palavras latinas, de base hereditária. Esse fundo românico usado na conversação diária constitui, assim, a grande camada na formação do léxico português.
Dentro da contribuição pré-românica (camada do substrato) , destacam-se vocábulos de origem ibérica (abóbora, barro, bezerro, cama, garra, louça, manteiga, sapo, seara); céltica (bico, cabana, aminho, camisa, cerveja, gato, légua, peça, touca); grega (farol, guitarra, microscópio, telefone, telepatia); fenícia (apenas saco, mapa, malha e mata - não havendo muita clareza quanto à sua origem).
A contribuição pós-românica (camada do superstrato) , que compreende palavras de origem germânica, relacionadas ao modo de vida de seu povo e à arte militar, ocorre no século V, época das invasões. São exemplos nomes como Rodrigo, Godofredo, guerra, elmo, trégua, arauto e verbos como esgrimir, brandir, roubar, escarnecer. Apesar de não impor religião e língua, ao conquistarem a Península Ibérica, os árabes deixaram marcas no nosso léxico. Como camada do adstrato, as palavras de origem árabe correntes em português referem-se a nomes de plantas, de alimentos, de ofícios, de instrumentos musicais e agrícolas: alface, algodão, álcool, xarope, almôndega, alfaiate, alaúde, alicate.
Quanto aos empréstimos culturais, ou seja, os que decorrem de intercâmbio cultural, há no léxico português influências diversas de acordo com as épocas. Segundo Cunha (1970), "A incidência de palavras de empréstimo no português data da época da constituição da língua, e as diferentes contribuições para o seu léxico reproduzem os diversos passos da sua história literária e cultural".
Na época medieval, a poesia trovadoresca provençal influenciou os primeiros textos literários portugueses. Porém, muitos vocábulos provençais, correntes nas cantigas dos trovadores medievais, não se incorporaram à nossa língua. São exemplos de empréstimos provençais: balada, estandarte, refrão, jogral, segrel, trovador, vassalo...
Do século XV ao século XVIII, muitos escritores portugueses, entre eles os poetas do Cancioneiro Geral, Gil Vicente, Camões, escreviam em castelhano e português, o que se explica pelas relações literárias, políticas e comerciais entre as duas nações ibéricas. Como contribuição de empréstimos espanhóis para o léxico português, temos, entre muitas outras, palavras como bolero, castanhola, caudilho, gado, moreno, galã, pandeiro ...
O latim corrente já havia contribuído para a base do léxico português, mas foi durante o Renascimento, época em que se valorizou a cultura da Antiguidade, que as obras de escritores romanos serviram de fonte para muitos empréstimos eruditos. Por essa via, desenvolveu-se um processo de derivar palavras do latim literário, em vez de se partir do termo popular português correspondente (daí uma série de adjectivos com radical distinto do respectivo substantivo: ocular / olho, digital / dedo, capilar / cabelo, áureo / ouro, pluvial / chuva). Esse processo é responsável pela coexistência de raízes distintas para termos do mesmo campo semântico. Houve, também a substituição de muitos termos populares por termos eruditos ( palácio / paaço, louvar / loar, formoso / fremoso, silêncio / seenço, joelho / geolho ).
A expansão portuguesa na Ásia e na África foi mais uma fonte de empréstimos. São de origem asiática: azul, bambu, beringela, chá, jangada, leque, laranja, tafetá, tulipa, turbante ... São de origem africana: angu, batuque, berimbau, cachimbo, engambelar, marimbondo, moleque, quitanda, quitute, samba, senzala, vatapá ... Em virtude de relações políticas, culturais, comerciais com outros países, é natural que o léxico português tenha recebido (e continue a receber) empréstimos de outras línguas modernas. Assim, incorporaram-se ao nosso léxico palavras provenientes do francês (chefe, hotel, jardim, paisagem, vitral, vitrina); do inglês (futebol, bife, córner, pudim, repórter, sanduíche, piquenique); do italiano (adágio, alegro, andante, confete, gazeta, macarrão, talharim, piano, mortadela, serenata, salame); do alemão (valsa, manequim, vermute). Nos tempos actuais, o inglês tem servido de fonte de inúmeros empréstimos, sobretudo nas áreas técnicas, o que demonstra a estreita ligação que o processo de mudança linguística tem com a história sócio-política-cultural de um povo.
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